Publicado por Maurício Sousa
“Next to Normal”, musical criado por Brian Yorkey e lançado em 2008, foi readaptado para os palcos de Londres em 2024 e, em maio de 2025, teve sua gravação disponibilizada gratuitamente pela Public Broadcasting Service, ONG que divulga majoritariamente programas de televisão. O musical aborda a história de uma mãe, a qual sofre com um sério caso de bipolaridade e com outros distúrbios psicológicos. Retrata, também, sua família, que visa encontrar estabilidade em meio a uma situação tão desafiadora. Estrelado por Caissie Levy, Jack Wolfe, Eleanor Worthington-Cox e Jamie Parker, a adaptação britânica tira o fôlego de qualquer um que pare para assisti-la.
A peça é claramente pensada em detalhes e nuances por toda sua equipe de produção. Ela vai de um cenário extremamente funcional para performances de destruir o coração de qualquer um que tenha o mínimo de empatia. A montagem é evidentemente minimalista, apresentando somente um cenário durante toda sua duração e apenas seis atores no elenco. Não pense que isso é uma desvantagem, porque não é! A falta de distratores possibilita a completa imersão na história e ser coberto pela dura realidade da família. Obviamente, quando pensamos num enredo sobre instabilidade familiar e mental, nunca nos ocorreria retratá-la com músicas e coreografias. “Next to Normal”, no entanto, não só ousou em fazer isso, mas o fez com uma maestria impressionante. Todas as músicas funcionam perfeitamente com a proposta da obra e são genuinamente excelentes. A capacidade desse inesquecível musical de propor assuntos tão sérios com músicas de tão alta qualidade não vai parar de me surpreender.
O tema principal da obra é a saúde mental, mas ela consegue abranger outros diversos debates essenciais da atualidade. Seu início já expõe a difícil jornada da mãe em achar um remédio que funcione bem para ela, o árduo caminho de ter que lidar com efeitos colaterais insuportáveis só para poder ter o mínimo de ânimo para continuar a viver. É mais vantajoso perder a lucidez ou todas as sensações do seu corpo? A luta de achar a melhor opção é agoniante e exaustiva, e aquele que passa por ela é justamente quem já está no seu limite. A montagem aprofunda ainda mais a complexidade da temática ao questionar se ignorar as suas dores e perturbações não pode fazer-nos pior do que alguém completamente perdido. A sociedade estigmatiza cada aspecto da saúde mental e procurar ajuda ou tratamento parece um tabu muito grande para ser quebrado, fazendo com que o sofrimento dessas pessoas apenas aumente. Nessa óptica, consegue-se criar uma grande dialética na família, com conflitos individuais que se misturam com os coletivos, gerando uma conjuntura na qual todos estão incertos acerca de qual maneira eles poderão prover o mínimo de estabilidade para aquele lar.
É nesse cenário que será estabelecida uma enorme discussão sobre o papel da família e como esta reflete em quem nós somos. Enquanto a mãe está perdida na própria insanidade, temos a figura de um pai que tenta fingir que está tudo bem e que tudo voltará ao normal; uma filha que percorre a penosa trilha da adolescência sozinha, sem ninguém para segurar sua mão; e um filho, o qual honestamente não sei ao certo como descrever e estou até agora tentando entender todos os significados que existem por trás de seu personagem. Acompanhamos, na obra, a filha que vai começar a desfrutar da vida pela primeira vez, conhecendo alguém que a faz se sentir como nunca antes: que a faz se sentir vista. Todavia, tudo desmorona ao segundo que ela entra em casa e tem que lidar com uma realidade completamente desgastante. Tal realidade não contempla apenas as crises da mãe, mas também concerne à certeza de que seu irmão é mais amado do que ela. Mas como poderíamos culpar a mãe por isso? Uma mulher que só consegue encontrar razão em seu filho, devido a tudo que passa e à falta de esperança que tem, pode ser culpada por se agarrar à única coisa que a faz se sentir viva? Com certeza também não podemos condenar o pai, o qual tenta, com toda sua força, manter a casa de pé e, com todo seu coração, demonstrar seu amor por cada um que nela habita.
Dentre todos esses conflitos, é discutido um dos tópicos mais delicados da humanidade: o luto. A adaptação consegue explorar esse tema de estilos surpreendentes e tocantes, representando diversas maneiras das quais esse sentimento é expressado. Acompanhamos diferentes formas dele e nos questionamos se há uma forma certa ou melhor de vivê-lo. Também vemos como é esperado que você simplesmente supere tudo que aconteceu depois de certo tempo. Colocar um prazo de validade na vida de uma pessoa é algo injusto ou até absurdo, mas acontece à nossa volta a todo momento. Respeitar o processo de cada um também é um desafio, haja vista que ele pode se apresentar das mais diversas maneiras para as mais distintas pessoas. Não se pode esperar que todos vivam o luto da mesma forma, nem que todos sejam capazes de superá-lo só porque alguns conseguem. A ideia é expandida ao trazerem à tona como o luto pode afetar uma pessoa que nunca nem conheceu o falecido e como a morte pode definir a vida de alguém que nem tinha nascido ainda. É um caminho complicado no qual você não consegue enxergar uma vida normal ao perder o que parecia ser seu mundo inteiro.
A complexidade de “Next to Normal” transcende o que foi tratado nesse texto, o qual, devido à minha grande tentativa de não dar spoilers, foi reduzido aos pontos principais da obra. Garanto que se você resolver dar uma chance para o musical você vai entender por que eu digo que ainda tem muito que poderia ser discutido. Porém, não dê uma chance só para descobrir o que se pode falar a mais sobre a montagem, mas assista também para apreciar o poder da arte, a habilidade de cada ator do elenco, o talento de cada músico que se envolveu no processo e, principalmente, para poder sentir a emoção e a sensibilidade que conseguirem suscitar com essa apresentação. É seriamente inesquecível.
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